Fisioterapia: Ciência e/ou Arte


Fisioterapia: Ciência e/ou Arte

       Nos dias correntes, a fisioterapia e o fisioterapeuta vivem numa tensão identitária premente. A tremenda revolução que a fisioterapia foi sujeita, fruto da sua emancipação precoce (é uma profissão de saúde júnior) aliada à imaturidade do fisioterapeuta tem provocado dores de crescimento devido a este spike evolutivo.

     A complexificação da saúde é uma realidade que desagua na inevitável transformação dos cuidados de saúde assentes numa perspetiva de Health Value Based Care (HBVC).

     Nessa visão futurista dos cuidados de saúde, a fisioterapia tem um papel essencial sobretudo no que às condições músculo-esqueléticas diz respeito. Nessa projeção imaginária gosto de ver o fisioterapeuta do futuro como um CURADOR.

   Atenção que curador é diferente de curandeiro. Este último é por definição, e segundo o dicionário Priberam, “a pessoa que trata doenças sem título legal. Charlatão e impostor”. Nem tão pouco sinónimo de CURAR no sentido mais polarizado do mesmo. Neste conceito não há lugar para o endeusamento ou para o ego. O centro está na pessoa, e esta não é o fisioterapeuta. 

     Se dermos uso à nossa escova de campo, utensílio essencial nos processos de escavação, e delicadamente retirarmos a poeira e os detritos das palavras, percebemos que esta tem origem no latim e deriva de CURATOR que vem do verbo CURARE. Ou seja, diz respeito aquele que cuida e toma conta de algo sendo o responsável por tomar conta, administrar e supervisionar.

     Mas CURADOR tem ainda um alter-ego, o curador de arte. E este termo enquanto comparação com a saúde ainda me inspira mais pela sua ligação à conservação da arte.

     Assim e se pensarmos na fusão destes conceitos, o fisioterapeuta curador (sobretudo em condições músculo-esqueléticas) tem o papel de promover a saúde, interpretar a doença conectando a pessoa consigo mesmo através de pesquisa garantindo o restauro ou a preservação do seu estado físico, emocional e psicológico, podendo ser aplicado quer no instante agudo como crónico.

     Esta visão do fisioterapeuta é totalmente antagónica do profissional executor de técnicas, desprovido de raciocínio e pensamento critico que apenas almejava ser no melhor cenário um artesão.

     Ora é neste contexto de procura identitária, agudizado pela polarização constante como meio de se posicionar no campo da saúde, que urge perguntar, é a fisioterapia ciência ou arte?

     A fisioterapia é ciência na sua essência, devido à sua ligação embrionária e umbilical a um corpo de saberes (anatomia, biomecânica, fisiologia, etc) que atualmente são embebidos e informados pela melhor evidência científica disponível. Paralelamente está em constante evolução causada pela investigação através do método científico.

     Contudo, a expressão da fisioterapia pode ser definida como uma arte, no sentido em que aplicação da mesma envolve uma série de skills, e não se limita a um conjunto de técnicas (seria bom abolirmos a ideia da mala de ferramentas by the way) nem a uma receita.

    Um paralelismo culinário que podemos utilizar é imaginar um duelo de tachos entre mim e um chef com estrela Michelin. Partilhamos a mesma receita e os mesmos ingredientes, mas seguramente eu não serei capaz de confecionar e apresentar um prato de alta cozinha. A fisioterapia enquanto arte deve inspirar a pessoa engajando-o numa espiral positiva de saúde. E para tal não chega seguir receitas para ser eficaz.

   A aplicação da fisioterapia implica conhecimento de variadas áreas, tais como a filosofia, a sociologia, saúde pública que são cozinhadas em criatividade, pensamento critico e problem solving que é empratado numa comunicação verbal e não verbal (o fisioterapeuta deve ser um performer) de acordo com as preferências, o contexto, a disposição e a experiência da pessoa.

     A fisioterapia é uma simbiose, um equilíbrio dinâmico entre ciência e arte em que dois sujeitos que partilham o mesmo tempo e espaço intersubjetivo, transformem uma interação terapêutica que seria à priori “apenas” uma intervenção numa experiência que acrescente valor e transforme os cuidados de saúde.

P.S. Certo que tratamos pessoas e não intervalos de confiança, mas não somos nem Picassos nem Joanas Vasconcelos, pelo que esta dicotomia não nos deve incentivar práticas não informadas pela ciência. Não esquecer, “primum non nocere”.

Saudações das boas
Ricardo Vieira