TIC TAC , TIC TAC , TIC TAC ...
A vida é em si mesmo um paradoxo, plena em contradições e em polarizações. Num mundo instantâneo e digital, vivemos no ritmo e batida de um qualquer ponteiro de relógio implantado em nós. Somos bombas relógios a correr numa roda de hamster's a que chamamos mundo.
E o mundo muda, a cada segundo que passa conferindo a cada instante e momento um je ne se quois de belo como de trágico. Diariamente assistimos à um incentivo permanente à mudança, emergindo a necessidade de acção por parte de algumas profissões de saúde. A fisioterapia apesar da sua prematuridade, foi uma das profissões da área que mais cresceu e mudou nos últimos anos. Ganhámos status, acumulamos privilégios ao longo dos tempos e isso transformou, a montante, a nossa prática clinica, e a jusante aquilo que será a fisioterapia do século XXI.
Fiz recentemente uma década a usar o típico polo de fisioterapia. E este é sem dúvida um ponto que carece de evolução. Somos a única profissão a usar polo da quebramar e fato de treino, uma combinação demasiado improvável. Talvez possamos falar com um qualquer estilista para dar um ar mais millenial ao outfit. Já para não falar da mãozinha colocada do lado esquerdo, bem juntinho ao coração, para que possamos diariamente dar aquela palmadinha no peito e beijar o símbolo. Adiante...
Os sistemas de saúde continuam a desenvolver-se, a tornar-se incrivelmente complexos e na área da fisioterapia, as condições músculo-esqueléticas devido ao seu crescimento exponencial têm trazido desafios para as pessoas, para a saúde e para os decisores políticos.
A necessidade de aportar valor acrescentado na saúde fez emergir a prática centrada na pessoa (PCP) sendo hoje, considerada por muitos, um pilar do que se pretende que seja a reestruturação dos sistemas de saúde. Por muitos, ainda é desconhecida e para outros tantos menosprezada, anexos à ideia de "mas eu já faço isso" ou "isso é tão simples, achas que resulta ? ".
Com a integração de novos conceitos, vieram cumulativamente novas palavras a acrescentar ao nosso léxico terapêutico, o que nos torna mais fancy's e modernos (ahhh e as pessoas adoram um profissional de saúde que saiba usar devidamente o estrangeirismo).
Na área da PCP a palavra individualized é um dos termos a que se dá mais enfâse, e com que possivelmente vão cruzar os vossos globos oculares com maior frequência na leitura dos artigos de referência. Contudo, receio que possa verificar-se um erro de tradução de conhecimento científico e com isso uma má aplicação do mesmo. Isto porque o termo em si refere-se a focarmo-nos no indivíduo, nas suas preferências e numa maior simetria de poder ao invés de se reduzir ao fator tempo. A PCP não prevê a individualização dos cuidados, no sentido restrito de que para a aplicação do modelo, o profissional terá de estar num registo de um para um, mais propriamente na área da fisioterapia, ter um utente por hora.
E esta reflexão é bilateral, ou seja, eu posso tratar um utente por hora e não aplicar uma prática centrada na pessoa, porque estou mais focado na estrutura anatómica que na pessoa em si, e não estabeleço objetivos de forma colaborativa e nem estou minimamente preocupado em fomentar uma relação terapêutica. Por oposição posso tratar 3/4 utentes e aplicar conceitos de comunicação inerentes à mesma, dar suporte e tratar a pessoa respeitando a sua individualidade e criar conexões significativas com esta. Posso inclusivé aproveitar o ambiente social, típico de alguns contextos, potenciando a experiência e as dinâmicas sociais a favor da pessoa.
Referir que o contexto, é por si, um facilitador e/ou uma barreira à aplicação da PCP e que esta reflexão está embebida nesse sentimento empático. Mas quiçá, e com a expansão das áreas de intervenção da fisioterapia (sobretudo no âmbito desportivo) poderemos perceber que o factor tempo (em excesso) pode inclusivé ser em si mesmo uma barreira, lá chegaremos.
Nesse sentido, mais do que tornar unos os cuidados é preciso PERSONALIZAR a intervenção. Assegurarmos que esta é customizada e feita à medida de cada pessoa, respeitando a sua individualidade, partilhando o poder e a responsabilidade pela sua saúde criando e potenciando uma verdadeira aliança. Caminhemos juntos para criar uma jornada de cuidados plena em memórias e emoções. Por isso lanço o desafio, mais do que individualizar preocupemo-nos em personalizar, abraçando o desafio da co-criação nas intervenções de valor em saúde.
Ricardo Vieira
Texto escrito ao som de Expresso Transatlântico, um belo grupo portugês que merece a vossa atenção.